O voo acelerado ou a viagem rápida metamorfosearam insidiosamente a festa
e consagraram o naufrágio como fim último do prazer.
«Estética do Desaparecimento». Paul Virilio
Os turistas e os terroristas têm o mesmo desejo de autenticidade. Mas o autêntico retrocede à medida que avança a sua falta de autenticidade. […] Para sua infelicidade, a única coisa que podem fazer é destruir. Os turistas destroem significados, os terroristas destroem os turistas.
«Millenium». Hakim Bey
Muitas vezes visto como elemento ornamental, o monumento público à catástrofe está, no entanto, carregado de ideologia e valores funcionais, servindo mais para legitimação do poder estabelecido do que para a reparação das comunidades afetadas pelas catástrofes. Esta função é evidente não só no caráter seletivo da homenagem à memória, mas também na prática do esquecimento, que classifica a tragédia de acordo com a qualidade das vítimas ou evita deliberadamente a revisão histórica das atrocidades do Ocidente. Sintomática desta utilidade é a constante modificação simbólica de muitas destas esculturas, cujas alterações acompanham a evolução ideológica dos territórios em que foram erigidas.
A tendência para a desigualdade e para a repressão, latente em todas as relações de poder, reflete-se nas mesmas categorias com que a linguagem classifica o desastre: epidemia, acidente, hecatombe, extermínio… As coisas complicam-se quando por trás do significado há uma responsabilidade humana indubitável: atentado, matança, massacre, genocídio, feminicídio, guerra… A escolha desta ou daquela categoria no momento de descrever uma morte coletiva revela uma posição política, e prova disso são os debates acesos que disputam a narrativa da história. Quão específico era o objetivo da violência? Quão específicas as suas vítimas?
O monumento e a viagem estão ligados na origem, na forma do menir, do dólmen, do cromeleque, nascidos no universo nómada do Neolítico. Estas primeiras e extremamente simples intervenções humanas na paisagem despoletaram significados complexos ligados à morte de seres mitológicos, à transumância, ao território, aos outros, às múltiplas encruzilhadas do nomadismo. Enquanto sistemas de orientação ou espaços rituais, os monumentos megalíticos assinalaram caminhos, tangíveis ou iniciáticos, conduzindo a humanidade para um território sempre desconhecido.
Houve um tempo em que o ato de caminhar possibilitou o aparecimento do universo simbólico, fruto da especulação intelectual e criativa. Mas a vida sedentária, que deu origem a cidades e ao excedente, às guerras e às hierarquias, também tornou o ato de caminhar numa prática selvagem, antagonista do tempo útil e produtivo, tolerada apenas em períodos de exceção; uma excentricidade lúdica para preencher uma pausa na rotina laboral, tristemente destinada a regenerar a força de trabalho.
A indústria do turismo reduziu a viagem à pura deslocação, um reinício nas nossas coordenadas diárias, de uma natureza tão efémera e superficial que só podemos esconjurar a frustração vomitando uma coleção compulsiva de imagens como sucedâneo da experiência. Esta viagem praticada como escape ao quotidiano, como forma de fugir aos espaços e aos tempos habituais, tem cada vez menos destinos possíveis. Num mundo globalizado, o território desconhecido desapareceu do mapa. Num mundo de pandemia, a indústria de mobilização de massas de consumidores colapsa, manifestando todos os sintomas da sua profunda insustentabilidade.
Não há fuga possível. Porquê continuar a gerir o atraso do inevitável? Nos sítios onde o turismo tem sucesso, mais cedo ou mais tarde torna-se autodestrutivo. Da viagem entendida como um caminho de transformação resta apenas um Leviatã que nos separa. Paralelamente, surge um turismo da morte para continuar a conferir à viagem uma nova transcendência. O turismo necrológico viaja a Auschwitz, visita o Ground Zero, planeia um roteiro por Chernobyl, faz uma peregrinação pelos espaços de massacre e atentado, do genocídio, da bomba atómica, da guerra. A que tipo de redenção nos conduz o tanatoturismo? Que significados sacrificamos hoje nos cenotes de Yucatán? Podem as homenagens às vítimas da tragédia ser o último espaço profano de confronto com o desconhecido?